Livro: Cartas a uma negra
Autora: Françoise Ega
No início, é ignorada pela
família onde trabalha. Não é chamada pelo nome. É apenas a serviçal.
Uma trabalhadora doméstica negra,
antilhana, que agora mora e trabalha em Marselha, e tem o hábito de ler a
revista Paris Match no trem, enquanto vai para o trabalho. Em um dos números
dessa revista, conhece a autora brasileira Carolina Maria de Jesus e, então,
passa a escrever cartas, nunca enviadas, para a brasileira.
Fala do seu cotidiano no trabalho
e em casa.
Em princípio, o marido não
incentiva muito a sua vontade de escrever.
Há várias passagens que mostram a
maldade da patroa:
Pág 11, “...ela pega um tapete
empoeirado e se põe a sacudi-lo justo no lugar que acabei de deixar brilhando!
Preciso recomeçar...”
Há outras passagens semelhantes
nas pág 11 e 12.
A patroa prefere que a casa fique
com as cortinas das janelas fechadas. A Autora, pág 13, diz, “...se fosse rica,
evitaria as cortinas que acumulam poeira e os imóveis de dois andares nas
avenidas movimentadas. Teria uma casa ensolarada no campo...”
A autora vai analisando /
comparando o modo de vida dos ricos com a sua. Na pág 13, “...ando de um lado
para o outro entre o fedor das meias, ...entre livros que nem sequer teremos
tempo para ler e meninas que desconhecem as piscinas públicas e as caminhadas”.
E ao chegar em casa, pág 13, digo às crianças: “...depressa, respirem e abro a
casa para que o sol entre...”
Na pág 15, a autora narra uma
situação que é bem comum no Brasil: patroas pagam a passagem de ônibus para que
meninas venham trabalhar em suas casas como faxineiras. Depois, fazem com que a
menina fique com dívida eterna.
Nas págs 17 e 18, “...o futuro é
dos que cedo madrugam. Sempre me levantei cedo, porque o pobre levantar cedo
não é uma questão de futuro, mas de presente...”, aqui a autora volta a falar
do seu dia a dia no trabalho, mostrando que vencer na vida e no trabalho não é
questão de levantar-se cedo. [subir a pé pelas escadas 8 andares, pois o
elevador está enguiçado; quando a autora abriu as janelas para entrar o ar, a
patroa lacrou hermeticamente todas para que o ar não entrasse...]
Na pág 30, a autora explica como
barram as negras nas vagas de emprego e por que elas terminam nas faxinas:
“...tinha lido num jornal que precisavam de uma datilógrafa..., mas a diretora
disse que a vaga não estava mais disponível...” Dizem para voltar no outro dia
que “entraremos em contato”.
Nada muito diferente do que
acontece no Brasil!
“...então você fica de saco cheio
e procura uma agência de empregos para faxineiras...”
É preciso garantir o ganha-pão!
Na pág 33, “...me debruço então
sobre uma nova página e a encho de realidade”. Depois que o marido,
maldosamente, diz que sua escrita não passa “...de uma papelada, que nunca dará
frutos...”, e tenta sugerir que ela escreva sobre lanchonetes, piscinas e
praias, pois ninguém vai se interessar pelos escritos dela, então a autora
resolve escrever sobre as histórias dos negros!
Na pág 41, a autora pede demissão
do trabalho.
Fosse só pelo patrão, ela ficaria
no emprego, infelizmente, “quando ele saía, eu chegava”. A patroa achava uma
pena eu ir embora, “quem vai descer os tapetes sem reclamar? ...pela primeira
vez, me perguntou pelos meus filhos, ...finalmente, me descobriu!” “...não
podia contar ao patrão como era difícil trabalhar ali por causa da
personalidade instável da esposa...”
Na pág 44, a autora diz que está
com dor de garganta das brabas, “mas não conheço muitas donas de casa que ficam
na cama.”
Refletindo sobre a doença, na pág
45, reconhece que o marido é o motor da casa, mas ela é o combustível. E sem
combustível o motor enferruja. Ela avalia que tudo na casa passa por ela.
Doente na cama, ouve no rádio
sobre uma autora polonesa que ganhou prêmio escrevendo sobre as mortes na
segunda guerra mundial. Na sequência, pág 46, ouve padres falando e quis
acrescentar, “...dos campos de morte, livrai-nos, Senhor. Do racismo, de onde
quer que venha, livrai-nos, Senhor”.
As vozes que se escutam nos
rádios possibilitam criar imaginação. Na pág 47, “...são imagens que temo serem
extintas pela televisão...”, “...a tevê é a realidade nua e crua ao alcance de
todos; a geração que está chegando jamais será capaz de sonhar...”
O marido joga um balde de água
fria nas pretensões de escritora da autora: “...desliga esse rádio e trata de
dormir..., joga esse caderno para o alto, você nunca será uma escritora...”
Na pág 50, a autora fala sobre os
“nossos homens”. São homens de família, que esperam encontrar uma empregada
antilhana que sirva como “intermediário”, ao que a autora responde que “para
esse novo tráfico negreiro, o “intermediário” tinha que ser oficial...”
Na sequência, a autora diz que
“...os franceses não são complicados, imediatamente, sabemos o que pensam, o
que querem...”
Na pág 53, a autora fala em um
mendigo que anda sumido. Mas sempre que ela dá um franco a ele, ele não vai
comprar vinho, mas um sanduíche com linguiça e mostarda.
Bem diferente dos nossos mendigos
de hoje, que vão logo comprar drogas!
Na pág 55 e seguintes, é possível
notar que se exige muito dos empregados domésticos: lavar vários andares de
escadarias, lavar calçadas, tonéis e outros.
Até a água congelada que saía da
torneira dizia à autora: “Fuja depressa! Fuja depressa!”
Na pág 60, procurando outro
emprego, “entraremos em contato”, diziam, após olharem bem a cor da pele. E as
empregadas tinham que se resignar, pois era preciso pagar o pequeno quarto.
Nas págs 67 / 71, quase todos
antilhanos que moram na França estão casados com mulheres brancas francesas.
São amigos da autora. Um deles fala que o sogro o chama de preto sujo.
Nas págs 74 / 76, a morte de
Roland, um antilhano morto quando vai visitar a amante, uma loira francesa.
Diminuí as anotações, pois está
chegando o dia do nosso encontro no Grupo, caso contrário, não vou conseguir
terminar a leitura da obra. Até o final, farei só anotações bem significativas.
Na pág 104, se diz “que as
empregadas não contam”. “...somos em cinco, as crianças não comem e os ‘outros’
não contam!”
Aqui é a fala da patroa
restringindo a comida na casa.
Na pág 106, “...nunca me chamou
pelo nome até aquele momento...”, “só soava a campainha: duas vezes para a
negra; uma para a governanta”
É um distanciamento intencional
muito grande!
Na pág 109, a autora percebe que
está recebendo 25 centavos de franco por metro quadrado para esfregar o chão.
Imediatamente, pede demissão!
Na pág 111, a autora descobre que
precisa cuidar das mãos devido ao uso de produtos de limpeza, e por passar da
água quente para a fria. “...é exatamente quando você acaba de dar tudo de si
em uma cozinha fervendo... sentem a necessidade de fazê-la enxaguar lingerie
que não tolera água quente”.
A autora chega a pensar: “Meu
Deus, coloque-a na miséria por uma semana! Só uma, para torná-la uma pessoa
mais compreensível”.
E assim, o livro vai mostrando o
embate entre patroas e empregadas negras!
Da pág 112 a 121, a autora pensa
na publicação do livro, em como conseguir dinheiro para a edição e, procurando
em anúncios de jornais, consegue vaga como costureira em um hotel que, mais
tarde, descobre ser um bordel. O trabalho consiste em cortar lençóis ao meio e
aproveitar as melhores partes dos tecidos para costurar um novo lençol.
Da pág 128 a 131, a autora
descreve a distribuição de carne e derivados para a população pobre. É vendida
a 5 francos a porção.
A autora compra 3 porções, e
aquelas que não servem as joga no lixo, sabendo que em breve pessoas que não têm
dinheiro começariam a aparecer para vasculhar o lixo.
Na pág 134 a 136, a autora fala “transformei-me
em uma máquina a ser explorada, mas talvez não manipulada...”
A autora estava substituindo uma
empregada doméstica que estava doente e internada em hospital.
A empregada anterior trabalhava 12h
por dia, a substituta trabalhava 4h. A patroa não concordava com isso e estava
disposta a interromper a internação da empregada titular.
Na pág 137, a autora está
limpando os vidros de uma janela muito alta. O marido da patroa manda parar o
serviço para evitar acidente dentro de sua casa.
Aqui a autora está falando sobre
o poder das patroas: quando se tem o poder de dizer “faça”, “suba”, que no
mínimo seja dito com gentileza!
Na pág 139, a autora diz que quem
foi empregada doméstica está vacinada contra tudo que a vida pode apresentar. São
despojadas de qualquer pretensão à dignidade humana. São coisas. Vassouras.
Geladeiras.
E conclui: “se um dia for rica,
fico enojada só de pensar em contratar numa faxineira, não quero me tornar uma
daquelas mulheres que ainda se dizem cristãs!”
Na pág 140 a 143, antilhanos
pretos, comandando um baile, discriminam empregadas domésticas pretas.
“...é a lógica do mais forte...!”,
diz a autora para a Carolina.
Na pág 144 a 145, a falta de respeito
continua. A autora diz [144] que em 5 dias estará de férias. E a patroa diz que
só entrará de férias em agosto e pede que a autora fique até agosto
trabalhando.
Foi contratada como costureira,
mas a patroa a colocou como faxineira. “Faz tempo que queria uma negra para a
faxina!”
Na pá 152, a autora está com
viagem marcada para Paris. Pretende levar por 10 dias as crianças para passear.
A patroa pede que a autora adie a
viagem para que fique no lugar da filha na empresa.
Se uma branca substituir a filha
no escritório de advocacia, talvez a filha perca o emprego, sendo uma negra a
substituir, a volta da filha ao emprego está garantida [153].
E o marido incentiva que a autora
suspenda a viagem e vá para o escritório fazer a substituição.
As empregadas domésticas sofrem
discriminação! Na pág 158, enquanto a autora cuidava da vida dos outros [a da
pastora], o patrão chaga e diz que é bom relaxar um pouco. A autora reflete, “...gostaria
de saber se o doutor agiria do mesmo jeito comigo se um dia eu varresse a casa
dele!”
Na pág 159, o patrão oferece
refresco para saciar o calor, enquanto a autora pensa que um ano atrás, como
empregada doméstica, passava a língua nos lábios ressecados para abrandar o
calor, e a autora percebe que, a depender da profissão, “...passa da condição
de burro de carga à de ser humano”.
Na pág 166, enquanto as crianças
se divertem e comem, a autora vê sua bolsa se esvaziar. Alegria dos filhos,
tristeza dos pais!