terça-feira, 25 de novembro de 2025

Encontro para trabalhar o livro "Cartas para uma negra" - em 25nov2025

 

Sobre o encontro 

Data: 22 novembro de 2025

Local: Biblioteca do Banco do Nordeste 

Atual formação do Quilombo Literário 

 O grupo hoje é constituído por três pessoas. Estamos em campanha para aumentar um pouco esse número. Iniciamos pontualmente às 14h, conforme combinado.  Começou-se o encontro falando sobre conversas soltas, autores diversos, filmes já vistos nos diversos ‘Streamings’, alguma coisa sobre fatos ocorridos nas ruas da cidade, o fato de sermos bem recebidos naquela Biblioteca, um pouco sobre a obra da Carolina Maria de Jesus, como era o Brasil à época em que escreveu seus livros, entre outros temas.

Sobre a obra que nos propusemos a trabalhar, se achou que inicialmente a autora trazia muitos detalhes sobre o seu cotidiano com as diversas patroas que trabalhou como empregada doméstica. Isso, às vezes, deixava a leitura um pouco pesada, com uma evolução mais lenta dos acontecimentos da narrativa.

Também se percebeu que só quem viveu esse dia a dia na prática poderia trazer para escrita tamanho grau de realidade dessa relação patroa e empregada doméstica.

Se notou que tanto lá em Paris e arredores, quanto aqui no Brasil, a desumanização das empregadas doméstica é igual, e o racismo se manifesta em sua plenitude.

A autora toma conhecimento da escrita da Carolina através da revista francesa Paris Match, mas nunca leu a obra daquela autora, nem a conheceu pessoalmente. Porém, inspirada nos trechos que leu na revista, se identificou com a problemática e semelhança de vida, e resolveu escrever cartas imaginárias para a escritora brasileira.

Estivemos analisando a provável vida de cada uma das autoras. Uma catadora de lixo, a brasileira; outra, empregada doméstica, a antilhana. Ambas negras e pobres. Porém, embora ambas falem da pobreza, notou-se que a antilhana era casada com um militar, o que, bem ou mal, havia um pequeno salário mensal na casa, enquanto a brasileira vivia só da catação de lixo nas ruas, o que não dava uma renda certa mensal. A antilhana busca dinheiro nas faxinas para complementar a renda familiar, enquanto a brasileira busca para sobreviver. Ambas sofrem o racismo, somado ao fato de serem mulheres e pobres numa sociedade machista.

Também se analisou a maldade que as patroas brancas fazem com as empregadas domésticas negras, exigindo sempre mais trabalho diário e querendo pagar sempre menos. 

Capa do livro "Cartas para uma negra"

 Por fim, se analisou o contexto político e social do período em que a autora escreveu “Cartas para uma negra”. Dez anos antes, Fanon tinha publicado sua obra “Peles Negras, Máscaras Brancas”, onde esse autor discute a descolonização das mentes dos povos da diáspora. Carolina Maria de Jesus tinha publicado sua obra “Quarto de Despejo”. Nina Simone havia publicado nos Estados Unidos um disco musical onde ela cantava um verso “Tudo o que quero é igualdade / Para minha irmã. Meu irmão, meu povo e para mim”. Nesta época, é assassinado o Presidente Kennedy, dos Estados Unidos, que havia combinado alianças com os negros na luta pelos Direitos Civis.

Finalizando, se comentou um pouco sobre filmes e peças teatrais. O Cinema na Sala do Dragão do Mar irá apresentar, de forma gratuita, o filme “A Rebelião dos Jangadeiros”, cujo filme fala da recusa dos jangadeiros de transportarem os negros escravizados, através de jangadas, dos navios negreiros até a praia, na cidade de Fortaleza. Todos os presentes se interessaram em assistir ao filme. Também, o Cine São Luís está trazendo para a cidade de Fortaleza a peça “O Torto Arado”. Todos os presentes irão assistir à peça e, em data a ser acordada, pretendem se reunir para comentarem sobre suas impressões sobre a peça teatral.

Contra-capa

 

Anotações sobre o livro "Cartas para uma negra" - em 25nov2025

 

Livro: Cartas a uma negra

Autora: Françoise Ega

 

No início, é ignorada pela família onde trabalha. Não é chamada pelo nome. É apenas a serviçal.

Uma trabalhadora doméstica negra, antilhana, que agora mora e trabalha em Marselha, e tem o hábito de ler a revista Paris Match no trem, enquanto vai para o trabalho. Em um dos números dessa revista, conhece a autora brasileira Carolina Maria de Jesus e, então, passa a escrever cartas, nunca enviadas, para a brasileira.

Fala do seu cotidiano no trabalho e em casa.

Em princípio, o marido não incentiva muito a sua vontade de escrever.

Há várias passagens que mostram a maldade da patroa:

Pág 11, “...ela pega um tapete empoeirado e se põe a sacudi-lo justo no lugar que acabei de deixar brilhando! Preciso recomeçar...”

Há outras passagens semelhantes nas pág 11 e 12.

A patroa prefere que a casa fique com as cortinas das janelas fechadas. A Autora, pág 13, diz, “...se fosse rica, evitaria as cortinas que acumulam poeira e os imóveis de dois andares nas avenidas movimentadas. Teria uma casa ensolarada no campo...”

A autora vai analisando / comparando o modo de vida dos ricos com a sua. Na pág 13, “...ando de um lado para o outro entre o fedor das meias, ...entre livros que nem sequer teremos tempo para ler e meninas que desconhecem as piscinas públicas e as caminhadas”. E ao chegar em casa, pág 13, digo às crianças: “...depressa, respirem e abro a casa para que o sol entre...”

Na pág 15, a autora narra uma situação que é bem comum no Brasil: patroas pagam a passagem de ônibus para que meninas venham trabalhar em suas casas como faxineiras. Depois, fazem com que a menina fique com dívida eterna.

Nas págs 17 e 18, “...o futuro é dos que cedo madrugam. Sempre me levantei cedo, porque o pobre levantar cedo não é uma questão de futuro, mas de presente...”, aqui a autora volta a falar do seu dia a dia no trabalho, mostrando que vencer na vida e no trabalho não é questão de levantar-se cedo. [subir a pé pelas escadas 8 andares, pois o elevador está enguiçado; quando a autora abriu as janelas para entrar o ar, a patroa lacrou hermeticamente todas para que o ar não entrasse...]

Na pág 30, a autora explica como barram as negras nas vagas de emprego e por que elas terminam nas faxinas: “...tinha lido num jornal que precisavam de uma datilógrafa..., mas a diretora disse que a vaga não estava mais disponível...” Dizem para voltar no outro dia que “entraremos em contato”.

Nada muito diferente do que acontece no Brasil!

“...então você fica de saco cheio e procura uma agência de empregos para faxineiras...”

É preciso garantir o ganha-pão!

Na pág 33, “...me debruço então sobre uma nova página e a encho de realidade”. Depois que o marido, maldosamente, diz que sua escrita não passa “...de uma papelada, que nunca dará frutos...”, e tenta sugerir que ela escreva sobre lanchonetes, piscinas e praias, pois ninguém vai se interessar pelos escritos dela, então a autora resolve escrever sobre as histórias dos negros!

Na pág 41, a autora pede demissão do trabalho.

Fosse só pelo patrão, ela ficaria no emprego, infelizmente, “quando ele saía, eu chegava”. A patroa achava uma pena eu ir embora, “quem vai descer os tapetes sem reclamar? ...pela primeira vez, me perguntou pelos meus filhos, ...finalmente, me descobriu!” “...não podia contar ao patrão como era difícil trabalhar ali por causa da personalidade instável da esposa...”

Na pág 44, a autora diz que está com dor de garganta das brabas, “mas não conheço muitas donas de casa que ficam na cama.”

Refletindo sobre a doença, na pág 45, reconhece que o marido é o motor da casa, mas ela é o combustível. E sem combustível o motor enferruja. Ela avalia que tudo na casa passa por ela.

Doente na cama, ouve no rádio sobre uma autora polonesa que ganhou prêmio escrevendo sobre as mortes na segunda guerra mundial. Na sequência, pág 46, ouve padres falando e quis acrescentar, “...dos campos de morte, livrai-nos, Senhor. Do racismo, de onde quer que venha, livrai-nos, Senhor”.

As vozes que se escutam nos rádios possibilitam criar imaginação. Na pág 47, “...são imagens que temo serem extintas pela televisão...”, “...a tevê é a realidade nua e crua ao alcance de todos; a geração que está chegando jamais será capaz de sonhar...”

O marido joga um balde de água fria nas pretensões de escritora da autora: “...desliga esse rádio e trata de dormir..., joga esse caderno para o alto, você nunca será uma escritora...”

Na pág 50, a autora fala sobre os “nossos homens”. São homens de família, que esperam encontrar uma empregada antilhana que sirva como “intermediário”, ao que a autora responde que “para esse novo tráfico negreiro, o “intermediário” tinha que ser oficial...”

Na sequência, a autora diz que “...os franceses não são complicados, imediatamente, sabemos o que pensam, o que querem...”

Na pág 53, a autora fala em um mendigo que anda sumido. Mas sempre que ela dá um franco a ele, ele não vai comprar vinho, mas um sanduíche com linguiça e mostarda.

Bem diferente dos nossos mendigos de hoje, que vão logo comprar drogas!

Na pág 55 e seguintes, é possível notar que se exige muito dos empregados domésticos: lavar vários andares de escadarias, lavar calçadas, tonéis e outros.

Até a água congelada que saía da torneira dizia à autora: “Fuja depressa! Fuja depressa!”

Na pág 60, procurando outro emprego, “entraremos em contato”, diziam, após olharem bem a cor da pele. E as empregadas tinham que se resignar, pois era preciso pagar o pequeno quarto.

Nas págs 67 / 71, quase todos antilhanos que moram na França estão casados com mulheres brancas francesas. São amigos da autora. Um deles fala que o sogro o chama de preto sujo. 

Nas págs 74 / 76, a morte de Roland, um antilhano morto quando vai visitar a amante, uma loira francesa.

Diminuí as anotações, pois está chegando o dia do nosso encontro no Grupo, caso contrário, não vou conseguir terminar a leitura da obra. Até o final, farei só anotações bem significativas.

Na pág 104, se diz “que as empregadas não contam”. “...somos em cinco, as crianças não comem e os ‘outros’ não contam!”

Aqui é a fala da patroa restringindo a comida na casa.

Na pág 106, “...nunca me chamou pelo nome até aquele momento...”, “só soava a campainha: duas vezes para a negra; uma para a governanta”

É um distanciamento intencional muito grande!

Na pág 109, a autora percebe que está recebendo 25 centavos de franco por metro quadrado para esfregar o chão. Imediatamente, pede demissão!

Na pág 111, a autora descobre que precisa cuidar das mãos devido ao uso de produtos de limpeza, e por passar da água quente para a fria. “...é exatamente quando você acaba de dar tudo de si em uma cozinha fervendo... sentem a necessidade de fazê-la enxaguar lingerie que não tolera água quente”.

A autora chega a pensar: “Meu Deus, coloque-a na miséria por uma semana! Só uma, para torná-la uma pessoa mais compreensível”.

E assim, o livro vai mostrando o embate entre patroas e empregadas negras!

Da pág 112 a 121, a autora pensa na publicação do livro, em como conseguir dinheiro para a edição e, procurando em anúncios de jornais, consegue vaga como costureira em um hotel que, mais tarde, descobre ser um bordel. O trabalho consiste em cortar lençóis ao meio e aproveitar as melhores partes dos tecidos para costurar um novo lençol.

Da pág 128 a 131, a autora descreve a distribuição de carne e derivados para a população pobre. É vendida a 5 francos a porção.

A autora compra 3 porções, e aquelas que não servem as joga no lixo, sabendo que em breve pessoas que não têm dinheiro começariam a aparecer para vasculhar o lixo.

Na pág 134 a 136, a autora fala “transformei-me em uma máquina a ser explorada, mas talvez não manipulada...”

A autora estava substituindo uma empregada doméstica que estava doente e internada em hospital.

A empregada anterior trabalhava 12h por dia, a substituta trabalhava 4h. A patroa não concordava com isso e estava disposta a interromper a internação da empregada titular.

Na pág 137, a autora está limpando os vidros de uma janela muito alta. O marido da patroa manda parar o serviço para evitar acidente dentro de sua casa.

Aqui a autora está falando sobre o poder das patroas: quando se tem o poder de dizer “faça”, “suba”, que no mínimo seja dito com gentileza!

Na pág 139, a autora diz que quem foi empregada doméstica está vacinada contra tudo que a vida pode apresentar. São despojadas de qualquer pretensão à dignidade humana. São coisas. Vassouras. Geladeiras.

E conclui: “se um dia for rica, fico enojada só de pensar em contratar numa faxineira, não quero me tornar uma daquelas mulheres que ainda se dizem cristãs!”

Na pág 140 a 143, antilhanos pretos, comandando um baile, discriminam empregadas domésticas pretas.

“...é a lógica do mais forte...!”, diz a autora para a Carolina.

Na pág 144 a 145, a falta de respeito continua. A autora diz [144] que em 5 dias estará de férias. E a patroa diz que só entrará de férias em agosto e pede que a autora fique até agosto trabalhando.

Foi contratada como costureira, mas a patroa a colocou como faxineira. “Faz tempo que queria uma negra para a faxina!”

Na pá 152, a autora está com viagem marcada para Paris. Pretende levar por 10 dias as crianças para passear.

A patroa pede que a autora adie a viagem para que fique no lugar da filha na empresa.

Se uma branca substituir a filha no escritório de advocacia, talvez a filha perca o emprego, sendo uma negra a substituir, a volta da filha ao emprego está garantida [153].

E o marido incentiva que a autora suspenda a viagem e vá para o escritório fazer a substituição.

As empregadas domésticas sofrem discriminação! Na pág 158, enquanto a autora cuidava da vida dos outros [a da pastora], o patrão chaga e diz que é bom relaxar um pouco. A autora reflete, “...gostaria de saber se o doutor agiria do mesmo jeito comigo se um dia eu varresse a casa dele!”

Na pág 159, o patrão oferece refresco para saciar o calor, enquanto a autora pensa que um ano atrás, como empregada doméstica, passava a língua nos lábios ressecados para abrandar o calor, e a autora percebe que, a depender da profissão, “...passa da condição de burro de carga à de ser humano”.

Na pág 166, enquanto as crianças se divertem e comem, a autora vê sua bolsa se esvaziar. Alegria dos filhos, tristeza dos pais!