sábado, 9 de junho de 2018

Texto enviado por Valquiria em 09jun18

Texto enviado pela Valquiria Tenório, direto de Araraquara - SP, para o primeiro encontro do Quilombo Literário.

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I Conversa de Roda no Quilombo Literário
Encontro – 09/06/2018
Organização: Paulo Rodrigues e Paulo Garcia

Livro: Na Minha Pele
Autor: Lázaro Ramos

Gostaria de iniciar essa participação agradecendo o convite feito pelo querido Paulo Rodrigues que conheci por intermédio da nossa amada Verinha. Ainda quero ter o prazer de encontra-lo, pessoalmente, bater longos papos e tomar suas fantásticas caipirinhas rs. Estendo o agradecimento ao Paulo Garcia que tive o prazer de conhecer em Matão-SP quando realizamos um curso de formação para professor na lei 10.639/03. Tenho muito orgulho da linda trajetória que Paulo tem feito no Ceará. E aqui devo ressaltar que ambos têm feito! Vocês são inspiradores!!
Saudações a todos e todas vocês!!! É um prazer enorme estar de alguma maneira participando dessa roda de conversa, desse evento incrível.
Bem, sou atualmente servidora federal atuando como professora no IFSP no campus Matão desde o final de 2015 e aqui vale mencionar que conquistei essa vaga devido a política de ações afirmativas. Toda a minha formação acadêmica tem sido direcionada para o campo dos estudos da temática étnico-racial, mais especificamente a temática negra. Estudei um evento realizado pela comunidade negra de Araraquara chamado Baile do Carmo e a partir dele busquei reconstruir uma história dessa comunidade.
Sem mais delongas parto para algumas breves considerações sobre a leitura que fiz do livro sugerido para esse primeiro encontro, Na minha Pele de Lázaro Ramos. Devo mencionar que o livro mexeu comigo desde a capa e acredito que não apenas comigo, pois atendi algo que me parecia um chamado, um convite, e juntei o meu rosto ao do autor, quis ver como era estarmos compartilhando nossas peles, nossas metades. 

Foto-montagem  Valquiria e capa do livro!
Foi o momento inicial de contato com o livro e um momento poderoso de inquietações até. Seria possível pessoas tão diferentes, eu - mulher, negra, paulista, professora, ele – homem, negro, baiano, ator-artista, vestirmos a pele um do outro? Como seria possível? Seria apenas a junção de nossos rostos?
Admito, abri o livro pensando coisas desse tipo, mas também querendo saber o que se passava na pele dele. Que pele era essa? Quem era ele? Fui captada por sua escrita contagiante, forte e suave, cheia de entrega, de revelações cotidianas, de aprendizados, de (in)certezas, de estranhamentos, de desconstruções e reconstruções. Como ele pode trazer tantos temas como se estivéssemos passeando juntos, como se nos conhecêssemos? Como ele pode falar a partir de sua história pessoal tanto do que eu encontrei no mundo da pesquisa e no aprendizado de minha própria busca-história? O quanto de uma ancestralidade comum havia na sua escrita, no nosso passeio por suas memórias, histórias, descobertas e trajetória? As dúvidas, as lacunas sobre nossos ancestrais nos são comuns, eu me lembro de perguntar à minha mãe sobre seus familiares mais distantes, de sua vida antes de migrarem para o Estado de São Paulo, devo informar que meus pais são pernambucanos tendo chegado em São Paulo na década de 1970. E eu, mesmo tendo nascido em Araraquara, cidade a 270km da capital, nunca me senti de fato araraquarense. Por quê? A minha busca me trouxe algumas respostas, mas continuemos... Vocês percebem o quanto o autor nos faz olhar para nós mesmos? Será que estou em devaneios?  
Bem, a escrita de Lázaro me encantou, viajei com ele pela Ilha, conheci sua família e a maneira como sua identidade era construída de maneira positiva, vi dificuldades e desafios que enfrentavam e como é difícil quando se tem uma marca, desvencilhar-se dela quando a vida toma outro rumo. Ele diz:
“São marcas que ficam gravadas como tatuagem e nem sempre percebemos qual é o seu efeito em nós.”
Também me sinto assim muitas vezes e em várias outras passagens do livro nós nos aproximamos com relação a isso. Não aprendi sobre ancestralidade africana na minha família, esse tema nunca foi tratado, foi citado, foi alvo de conversa. Muito recentemente, minha mãe tem deixado escapar situações de discriminação e preconceito que já viveu. Tanto ela como boa parte das mulheres da família trabalhavam no serviço doméstico. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo, ainda criança, e nunca quis que eu seguisse seus passos, sempre buscou que eu tivesse uma formação, fizesse cursos extras e segundo ela não vivesse contando moedas. Hoje, eu tenho um bom trabalho, uma vida confortável, mas há algumas marcas que estão gravadas e que por mais que os outros não consigam ver, eu vejo e sinto.
Também aprendi muito pouco sobre ancestralidade ou história afro-brasileira na formação escolar, tal como Lázaro menciona de sua experiência. Só na graduação em Ciências Sociais na disciplina de Antropologia, por sinal ministrada por um professor negro que tomei contato com temas, literaturas, questões raciais e da história afro-brasileira, fui aprendendo a identificar uma construção de invisibilização muito grande dessa história que nos impede de vivermos de fato uma cidadania. Não estamos representados na história, na escola, na sociedade com o peso, valor, espaço, que deveríamos, mas muito tem sido feito, muitos e muitas são as lutas vencidas e por vencer.
O fato de estarmos fazendo esse encontro hoje, lendo um autor negro pode ser encarada como uma vitória. Nós existimos e resistimos!
Se a universidade foi o momento de ampliar minhas visões de mundo, de revelações mesmo, penso que o teatro tenha sido assim para o Lázaro. Quantas dúvidas nós temos sobre o que queremos fazer no presente, no futuro, Lázaro se jogou, se encontrou, enfrentou desafios, se transformou e transformou os que estavam ao seu redor.
Vem se tornando um artista cada vez mais engajado na discussão da questão racial no Brasil, ele vem aprendendo e ensinando, servindo-se do teatro, da arte para propor reflexão, para ser também ele alvo de reflexão. Como a TV trata a população negra? Que tipos de papeis uma pessoa negra pode fazer? Há papéis somente para negros e negras? Qual deve ser a sua postura? São perguntas que nos levam a discutir a nossa sociedade.
Um fato crucial é o nascimento dos filhos. Eu imagino (na verdade sinto, pois me tornei mãe há 6 anos) a urgência que dá em resolvermos questões pendentes, de entendermos melhor o mundo, de queremos transformá-lo, de querermos que os nossos filhos não vivam as mesmas provações, racismo, machismo, que sejam boas pessoas, que possam ser o que quiserem ser, que possam trilhar outros caminhos. Mas, aí a gente se pega pensando, não quero isso apenas para os meus filhos, quero isso para todo mundo, como fazer, o que fazer?
Sinto que o engajamento, a militância também traz angústias, dores, traz um estado de “sempre alerta”, de não relaxar, de que a maré vai nos arrastar ou seria melhor deixa-la nos levar? Ceder? Como promover uma sintonia entre a vida que se quer viver e a que vivemos, principalmente no que diz respeito a tantos pontos levantados pela leitura do livro? Eu ainda acredito na resistência, no compartilhar, no afeto, na EDUCAÇÃO.
Há muitas outras passagens, histórias, momentos do livro que eu poderia destacar e que me mostraram ser possível VESTIRMOS a pele um do outro, mas seria possível nos DESPIRMOS de nossas peles?
Grande abraço em vocês!!!!!



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