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I Conversa de Roda no Quilombo Literário
Encontro – 09/06/2018
Organização: Paulo Rodrigues e Paulo
Garcia
Livro: Na Minha Pele
Autor: Lázaro Ramos
Gostaria de
iniciar essa participação agradecendo o convite feito pelo querido Paulo
Rodrigues que conheci por intermédio da nossa amada Verinha. Ainda quero ter o
prazer de encontra-lo, pessoalmente, bater longos papos e tomar suas
fantásticas caipirinhas rs. Estendo o agradecimento ao Paulo Garcia que tive o
prazer de conhecer em Matão-SP quando realizamos um curso de formação para
professor na lei 10.639/03. Tenho muito orgulho da linda trajetória que Paulo
tem feito no Ceará. E aqui devo ressaltar que ambos têm feito! Vocês são
inspiradores!!
Saudações a
todos e todas vocês!!! É um prazer enorme estar de alguma maneira participando
dessa roda de conversa, desse evento incrível.
Bem, sou
atualmente servidora federal atuando como professora no IFSP no campus Matão
desde o final de 2015 e aqui vale mencionar que conquistei essa vaga devido a
política de ações afirmativas. Toda a minha formação acadêmica tem sido
direcionada para o campo dos estudos da temática étnico-racial, mais
especificamente a temática negra. Estudei um evento realizado pela comunidade
negra de Araraquara chamado Baile do Carmo e a partir dele busquei reconstruir
uma história dessa comunidade.
Sem mais
delongas parto para algumas breves considerações sobre a leitura que fiz do
livro sugerido para esse primeiro encontro,
Na minha Pele de Lázaro Ramos. Devo mencionar que o livro mexeu comigo
desde a capa e acredito que não apenas comigo, pois atendi algo que me parecia
um chamado, um convite, e juntei o meu rosto ao do autor, quis ver como era
estarmos compartilhando nossas peles, nossas metades.
Foto-montagem Valquiria e capa do livro! |
Foi o momento
inicial de contato com o livro e um momento poderoso de inquietações até. Seria
possível pessoas tão diferentes, eu - mulher, negra, paulista, professora, ele
– homem, negro, baiano, ator-artista, vestirmos a pele um do outro? Como seria
possível? Seria apenas a junção de nossos rostos?
Admito, abri o
livro pensando coisas desse tipo, mas também querendo saber o que se passava na
pele dele. Que pele era essa? Quem era ele? Fui captada por sua escrita
contagiante, forte e suave, cheia de entrega, de revelações cotidianas, de
aprendizados, de (in)certezas, de estranhamentos, de desconstruções e
reconstruções. Como ele pode trazer tantos temas como se estivéssemos passeando
juntos, como se nos conhecêssemos? Como ele pode falar a partir de sua história
pessoal tanto do que eu encontrei no mundo da pesquisa e no aprendizado de
minha própria busca-história? O quanto de uma ancestralidade comum havia na sua
escrita, no nosso passeio por suas memórias, histórias, descobertas e
trajetória? As dúvidas, as lacunas sobre nossos ancestrais nos são comuns, eu
me lembro de perguntar à minha mãe sobre seus familiares mais distantes, de sua
vida antes de migrarem para o Estado de São Paulo, devo informar que meus pais
são pernambucanos tendo chegado em São Paulo na década de 1970. E eu, mesmo
tendo nascido em Araraquara, cidade a 270km da capital, nunca me senti de fato
araraquarense. Por quê? A minha busca me trouxe algumas respostas, mas
continuemos... Vocês percebem o quanto o autor nos faz olhar para nós mesmos?
Será que estou em devaneios?
Bem, a escrita
de Lázaro me encantou, viajei com ele pela Ilha, conheci sua família e a
maneira como sua identidade era construída de maneira positiva, vi dificuldades
e desafios que enfrentavam e como é difícil quando se tem uma marca, desvencilhar-se
dela quando a vida toma outro rumo. Ele diz:
“São marcas que ficam gravadas como tatuagem
e nem sempre percebemos qual é o seu efeito em nós.”
Também me
sinto assim muitas vezes e em várias outras passagens do livro nós nos
aproximamos com relação a isso. Não aprendi sobre ancestralidade africana na
minha família, esse tema nunca foi tratado, foi citado, foi alvo de conversa. Muito
recentemente, minha mãe tem deixado escapar situações de discriminação e
preconceito que já viveu. Tanto ela como boa parte das mulheres da família
trabalhavam no serviço doméstico. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo,
ainda criança, e nunca quis que eu seguisse seus passos, sempre buscou que eu
tivesse uma formação, fizesse cursos extras e segundo ela não vivesse contando
moedas. Hoje, eu tenho um bom trabalho, uma vida confortável, mas há algumas
marcas que estão gravadas e que por mais que os outros não consigam ver, eu
vejo e sinto.
Também aprendi
muito pouco sobre ancestralidade ou história afro-brasileira na formação
escolar, tal como Lázaro menciona de sua experiência. Só na graduação em
Ciências Sociais na disciplina de Antropologia, por sinal ministrada por um
professor negro que tomei contato com temas, literaturas, questões raciais e da
história afro-brasileira, fui aprendendo a identificar uma construção de
invisibilização muito grande dessa história que nos impede de vivermos de fato
uma cidadania. Não estamos representados na história, na escola, na sociedade
com o peso, valor, espaço, que deveríamos, mas muito tem sido feito, muitos e
muitas são as lutas vencidas e por vencer.
O fato de
estarmos fazendo esse encontro hoje, lendo um autor negro pode ser encarada
como uma vitória. Nós existimos e resistimos!
Se a
universidade foi o momento de ampliar minhas visões de mundo, de revelações
mesmo, penso que o teatro tenha sido assim para o Lázaro. Quantas dúvidas nós
temos sobre o que queremos fazer no presente, no futuro, Lázaro se jogou, se
encontrou, enfrentou desafios, se transformou e transformou os que estavam ao
seu redor.
Vem se
tornando um artista cada vez mais engajado na discussão da questão racial no
Brasil, ele vem aprendendo e ensinando, servindo-se do teatro, da arte para
propor reflexão, para ser também ele alvo de reflexão. Como a TV trata a
população negra? Que tipos de papeis uma pessoa negra pode fazer? Há papéis
somente para negros e negras? Qual deve ser a sua postura? São perguntas que
nos levam a discutir a nossa sociedade.
Um fato
crucial é o nascimento dos filhos. Eu imagino (na verdade sinto, pois me tornei
mãe há 6 anos) a urgência que dá em resolvermos questões pendentes, de
entendermos melhor o mundo, de queremos transformá-lo, de querermos que os
nossos filhos não vivam as mesmas provações, racismo, machismo, que sejam boas
pessoas, que possam ser o que quiserem ser, que possam trilhar outros caminhos.
Mas, aí a gente se pega pensando, não quero isso apenas para os meus filhos,
quero isso para todo mundo, como fazer, o que fazer?
Sinto que o
engajamento, a militância também traz angústias, dores, traz um estado de
“sempre alerta”, de não relaxar, de que a maré vai nos arrastar ou seria melhor
deixa-la nos levar? Ceder? Como promover uma sintonia entre a vida que se quer
viver e a que vivemos, principalmente no que diz respeito a tantos pontos
levantados pela leitura do livro? Eu ainda acredito na resistência, no
compartilhar, no afeto, na EDUCAÇÃO.
Há muitas
outras passagens, histórias, momentos do livro que eu poderia destacar e que me
mostraram ser possível VESTIRMOS a pele um do outro, mas seria possível nos DESPIRMOS
de nossas peles?
Grande abraço
em vocês!!!!!
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