segunda-feira, 11 de junho de 2018

Pequena descrição sobre nosso primeiro encontro



Sobre o encontro em que analisamos o livro “Na Minha Pele”.

Muito se trabalhou para montar o grupo Quilombo Literário. Por duas vezes, em cerca de três anos, chegou-se a escolher livro e convidar pessoas. Porém, nas duas vezes, não apareceu nenhum dos convidados no dia marcado. Mudou-se a estratégia: suspendeu-se tudo e passou-se a esperar, conversar individualmente com pessoas para tentar viabilizar a ideia. Em janeiro deste ano, retomou-se uma conversa interrompida há anos com o colega Paulo Garcia e acertamos as bases para tentar formar o grupo de leituras com ênfase em autores negros.

No dizer das pessoas que participaram do nosso primeiro encontro, em 09 de junho de 2018, o evento foi muito bom. Pessoas disseram que gostaram de se reunir com outras pessoas negras, e ainda mais se for para falar sobre a questão negra, tão bem abordada pelo autor que escolhemos para trabalhar em nosso primeiro encontro.

A obra analisada
Convidamos cerca de quinze pessoas para o primeiro encontro e oito pessoas compareceram e uma mandou texto por e-mail sobre suas impressões da obra que seria trabalhada. Esta pessoa que mandou o material mora em São Paulo, então já iniciamos o grupo com uma grande inovação: o fato de ter alguém distante e com interesse em participar da atividade. Aqui também apareceu uma de nossas fragilidades: o local que conseguimos para nos reunir não tinha infraestrutura tecnológica para fazer transmissão por internet. Por isso, optamos por garantir a participação dela por texto escrito.

As várias fotos postadas no blog oficial do grupo e nas diversas mídias existentes mostram como conseguimos organizar o encontro na sala ampla de que dispúnhamos: várias cadeiras dispostas em forma de círculo; tecidos com estampas africanas dispostos no chão; mesa com água, sucos e bolos; boa iluminação e ventilação.

Inicialmente, a Coordenação falou de alguns dos objetivos do grupo, já que a íntegra deles se encontra no blog do grupo. Uma ideia que não está no blog, mas que a Coordenação apresentou foi o desejo de que, a partir deste grupo de leituras, outros grupos de leituras comecem a se formar, de modo que em breve se tenham outros tantos grupos, em vários bairros de diversas cidades, discutindo obras de autores negros. E todos eles registrando suas atividades em meios eletrônicos para acesso de pessoas de diversos lugares.

Na sequência, a Coordenação, na pessoa de seu coordenador, apresentou uma rápida análise da capa do livro, dizendo que a metade do rosto do autor esperava pela metade do rosto do leitor, de modo a formar um todo de histórias. Na sequência, alguém disse que a capa do livro era política, pois posicionava um corpo negro com a intenção de vender o livro. A partir daí, também se falou que, em geral, revistas não expõem corpos negros em suas capas porque se acredita que não vendam, ou vendam pouco. Ainda o coordenador falou da forma elegante e simples com que o autor falou de temas complexos, o que tornou a leitura gostosa.

Cada um dos participantes foi se revezando nas análises e observações feitas durante a leitura do livro. Muitas vezes, quando alguém analisava observações feitas pelo autor sobre algum dos temas contidos no livro, era possível que se saísse do livro e se fizesse alguma conexão com situação vivida na vida real por alguém. Foi assim quando se analisou a parte em que o autor fala das varias empregadas domésticas que ele teve em sua família: mãe, tias, primas. Nesse momento, o grupo se deu conta de quase todos os participantes também tiveram vários parentes que tinham a mesma profissão: empregada doméstica. Aqui se falou das humilhações que estas profissionais sofrem nos ambientes em que exercem suas atividades, e das limitações que sofrem quanto a horários de trabalho, dias de folga, e abusos de toda ordem.

Algumas vezes, devido aos temas profundos que o autor desenvolvia, alguns participantes lembravam de passagens doloridas de suas vidas particulares e as narravam para os demais. Este é um momento em que se pode dizer que a obra entrou em conexão com o leitor, fazendo aflorar situações que estavam guardadas!

Pouco antes do término do encontro, a Coordenação perguntou se havia algum tema que alguém gostaria de falar, pois estávamos quase no fim. Alguns disseram, sem mais tempo para desenvolver ideias, que não se poderia deixar de falar na parte em que o autor fala na criação de filhos, nas preocupações dele em como criar filhos negros numa sociedade racista; nas formas de promover a auto estima.

Ao final, parece que todos gostaram do evento. Mais tarde, quando vieram as fotografias do encontro, e foram compartilhadas pela rede social, muitas pessoas comentaram alegremente tudo que tínhamos conseguido produzir. Esperamos ter lançado a semente de um grupo, que possa se fortalecer para entender e enfrentar as diversas situações que o racismo nos apresenta!

domingo, 10 de junho de 2018

Fotos do primeiro encontro no Quilombo Literário 2 - 09jun18

Seguem mais fotos do nosso primeiro encontro no Quilombo Literário!

Analisando a obra do Lázaro no Quilombo!

Encantadas com a obra do Lázaro!

Ao chegar ao Quilombo, já avaliou as condições para trazer o Fala Negrada para cá!

A obra do Lázaro foi analisada assim, descontraidamente!

O grupo todo! [e mais a que estava em São Paulo].

Página marcada, pronto para fazer uma intervenção!

Acompanhando a discussão!

Apresentando o texto que chegou de São Paulo!

Apreciando a explanação de um colega!

Apresentando suas análises sobre a obra do autor!

Aprendendo a analisar e comentar obras desde pequena!

Adicionar legenda

Esta foto foi tirada para mandar para tias, mães e avós!

Todas as intervenções no Quilombo foram bem embasadas!

Apresentando tudo que o livro despertou!

Hoje, a nossa bússola!

sábado, 9 de junho de 2018

Texto enviado por Valquiria em 09jun18

Texto enviado pela Valquiria Tenório, direto de Araraquara - SP, para o primeiro encontro do Quilombo Literário.

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I Conversa de Roda no Quilombo Literário
Encontro – 09/06/2018
Organização: Paulo Rodrigues e Paulo Garcia

Livro: Na Minha Pele
Autor: Lázaro Ramos

Gostaria de iniciar essa participação agradecendo o convite feito pelo querido Paulo Rodrigues que conheci por intermédio da nossa amada Verinha. Ainda quero ter o prazer de encontra-lo, pessoalmente, bater longos papos e tomar suas fantásticas caipirinhas rs. Estendo o agradecimento ao Paulo Garcia que tive o prazer de conhecer em Matão-SP quando realizamos um curso de formação para professor na lei 10.639/03. Tenho muito orgulho da linda trajetória que Paulo tem feito no Ceará. E aqui devo ressaltar que ambos têm feito! Vocês são inspiradores!!
Saudações a todos e todas vocês!!! É um prazer enorme estar de alguma maneira participando dessa roda de conversa, desse evento incrível.
Bem, sou atualmente servidora federal atuando como professora no IFSP no campus Matão desde o final de 2015 e aqui vale mencionar que conquistei essa vaga devido a política de ações afirmativas. Toda a minha formação acadêmica tem sido direcionada para o campo dos estudos da temática étnico-racial, mais especificamente a temática negra. Estudei um evento realizado pela comunidade negra de Araraquara chamado Baile do Carmo e a partir dele busquei reconstruir uma história dessa comunidade.
Sem mais delongas parto para algumas breves considerações sobre a leitura que fiz do livro sugerido para esse primeiro encontro, Na minha Pele de Lázaro Ramos. Devo mencionar que o livro mexeu comigo desde a capa e acredito que não apenas comigo, pois atendi algo que me parecia um chamado, um convite, e juntei o meu rosto ao do autor, quis ver como era estarmos compartilhando nossas peles, nossas metades. 

Foto-montagem  Valquiria e capa do livro!
Foi o momento inicial de contato com o livro e um momento poderoso de inquietações até. Seria possível pessoas tão diferentes, eu - mulher, negra, paulista, professora, ele – homem, negro, baiano, ator-artista, vestirmos a pele um do outro? Como seria possível? Seria apenas a junção de nossos rostos?
Admito, abri o livro pensando coisas desse tipo, mas também querendo saber o que se passava na pele dele. Que pele era essa? Quem era ele? Fui captada por sua escrita contagiante, forte e suave, cheia de entrega, de revelações cotidianas, de aprendizados, de (in)certezas, de estranhamentos, de desconstruções e reconstruções. Como ele pode trazer tantos temas como se estivéssemos passeando juntos, como se nos conhecêssemos? Como ele pode falar a partir de sua história pessoal tanto do que eu encontrei no mundo da pesquisa e no aprendizado de minha própria busca-história? O quanto de uma ancestralidade comum havia na sua escrita, no nosso passeio por suas memórias, histórias, descobertas e trajetória? As dúvidas, as lacunas sobre nossos ancestrais nos são comuns, eu me lembro de perguntar à minha mãe sobre seus familiares mais distantes, de sua vida antes de migrarem para o Estado de São Paulo, devo informar que meus pais são pernambucanos tendo chegado em São Paulo na década de 1970. E eu, mesmo tendo nascido em Araraquara, cidade a 270km da capital, nunca me senti de fato araraquarense. Por quê? A minha busca me trouxe algumas respostas, mas continuemos... Vocês percebem o quanto o autor nos faz olhar para nós mesmos? Será que estou em devaneios?  
Bem, a escrita de Lázaro me encantou, viajei com ele pela Ilha, conheci sua família e a maneira como sua identidade era construída de maneira positiva, vi dificuldades e desafios que enfrentavam e como é difícil quando se tem uma marca, desvencilhar-se dela quando a vida toma outro rumo. Ele diz:
“São marcas que ficam gravadas como tatuagem e nem sempre percebemos qual é o seu efeito em nós.”
Também me sinto assim muitas vezes e em várias outras passagens do livro nós nos aproximamos com relação a isso. Não aprendi sobre ancestralidade africana na minha família, esse tema nunca foi tratado, foi citado, foi alvo de conversa. Muito recentemente, minha mãe tem deixado escapar situações de discriminação e preconceito que já viveu. Tanto ela como boa parte das mulheres da família trabalhavam no serviço doméstico. Minha mãe começou a trabalhar muito cedo, ainda criança, e nunca quis que eu seguisse seus passos, sempre buscou que eu tivesse uma formação, fizesse cursos extras e segundo ela não vivesse contando moedas. Hoje, eu tenho um bom trabalho, uma vida confortável, mas há algumas marcas que estão gravadas e que por mais que os outros não consigam ver, eu vejo e sinto.
Também aprendi muito pouco sobre ancestralidade ou história afro-brasileira na formação escolar, tal como Lázaro menciona de sua experiência. Só na graduação em Ciências Sociais na disciplina de Antropologia, por sinal ministrada por um professor negro que tomei contato com temas, literaturas, questões raciais e da história afro-brasileira, fui aprendendo a identificar uma construção de invisibilização muito grande dessa história que nos impede de vivermos de fato uma cidadania. Não estamos representados na história, na escola, na sociedade com o peso, valor, espaço, que deveríamos, mas muito tem sido feito, muitos e muitas são as lutas vencidas e por vencer.
O fato de estarmos fazendo esse encontro hoje, lendo um autor negro pode ser encarada como uma vitória. Nós existimos e resistimos!
Se a universidade foi o momento de ampliar minhas visões de mundo, de revelações mesmo, penso que o teatro tenha sido assim para o Lázaro. Quantas dúvidas nós temos sobre o que queremos fazer no presente, no futuro, Lázaro se jogou, se encontrou, enfrentou desafios, se transformou e transformou os que estavam ao seu redor.
Vem se tornando um artista cada vez mais engajado na discussão da questão racial no Brasil, ele vem aprendendo e ensinando, servindo-se do teatro, da arte para propor reflexão, para ser também ele alvo de reflexão. Como a TV trata a população negra? Que tipos de papeis uma pessoa negra pode fazer? Há papéis somente para negros e negras? Qual deve ser a sua postura? São perguntas que nos levam a discutir a nossa sociedade.
Um fato crucial é o nascimento dos filhos. Eu imagino (na verdade sinto, pois me tornei mãe há 6 anos) a urgência que dá em resolvermos questões pendentes, de entendermos melhor o mundo, de queremos transformá-lo, de querermos que os nossos filhos não vivam as mesmas provações, racismo, machismo, que sejam boas pessoas, que possam ser o que quiserem ser, que possam trilhar outros caminhos. Mas, aí a gente se pega pensando, não quero isso apenas para os meus filhos, quero isso para todo mundo, como fazer, o que fazer?
Sinto que o engajamento, a militância também traz angústias, dores, traz um estado de “sempre alerta”, de não relaxar, de que a maré vai nos arrastar ou seria melhor deixa-la nos levar? Ceder? Como promover uma sintonia entre a vida que se quer viver e a que vivemos, principalmente no que diz respeito a tantos pontos levantados pela leitura do livro? Eu ainda acredito na resistência, no compartilhar, no afeto, na EDUCAÇÃO.
Há muitas outras passagens, histórias, momentos do livro que eu poderia destacar e que me mostraram ser possível VESTIRMOS a pele um do outro, mas seria possível nos DESPIRMOS de nossas peles?
Grande abraço em vocês!!!!!