domingo, 18 de abril de 2021

Sobre o encontro para analisar o Torto Arado II

 Ontem, realizamos virtualmente nosso encontro para analisar o livro Torto Arado, autoria de Itamar Vieira Júnior.

Segue as palavras iniciais do Coordenador ao encontro:

Falando aos novos participantes:

Objetivo do grupo:

O Quilombo Literário é um grupo interdisciplinar formado por professores e não-professores interessados em trocar experiências sobre a temática negra. Nas conversas de roda, diferentes pontos de vista sobre a obra analisada devem aflorar. Nenhum ponto de vista é mais correto que o outro. Isso apenas reforça a ideia de que podemos aprender alguma coisa com os outros. Muitas vezes é um detalhe que nos passou despercebido. Através das conversas de roda, o Quilombo Literário pretende estimular a leitura de autores negros, melhorar a capacidade de interpretar e discutir ideias, aprimorar a escrita de textos voltados à questão negra.

Cada participante comenta o que lhe pareceu interessante na obra estudada. As ideias da obra estudada servem como ponto de partida para a conversa, a obra é o fio condutor.

Falou-se, ainda, que no dia 08 de setembro de 2020, publicamos na Revista eletrônica  "CearáCriolo" um texto sob o título: Quilombo Literário: O Clube de leitura cearense focado em escritores negros.

Também no dia 02 de outubro de 2020, participamos do XI Congresso Internacional Artefatos da Cultura Negra, na Universidade Regional do Cariri [URCA], onde apresentamos trabalho sob o título : "Experiências de um Quilombo Literário em Fortaleza - CE: Literatura Negra, narrativa e afetos".

Há um texto em elaboração, a ser publicado na Revista Africanidades, onde se fala do Quilombo Literário em geral, e da apresentação na Urca. Segue um extrato deste texto, está na página 6:

"A apresentação do nosso trabalho chamou a atenção do mediador por ser o único com temática fora da academia. O mediador ficou encantado que, apesar dos tempos difíceis que se vive na educação, há coisas interessantes acontecendo dentro e fora dos muros da academia. Na visão dele, nosso trabalho chamou atenção por trazer o hábito da leitura para dentro de um grupo, e essa leitura não está presa à análise profunda do pensamento do autor, mas carrega além do autor, as vivências de cada participante do grupo. "Gostei!", nos disse o mediador!" 

Segue a avaliação inicial do Coordenador sobre o livro:

Torto Arado

Na pág 127, encontrei a melhor definição para o título do livro.

É quando Zeca do Chapéu Grande dizia “vou trabalhar o arado”, “vou arar a terra”, “seria bom ter um arado novo, esse arado está troncho e velho”.

 

Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de tal forma a deixa-la infértil, destruída e dilacerada – continuava a narração.

 

Dilacerada também estava a vida daquelas pessoas:

 

- Aquelas pessoas trabalhavam pela morada. E o que era a morada? Eram pessoas que vinham caminhando de fazenda em fazenda a procura de uma morada em troca de trabalho.

 

- Além de trabalharem nas terras grandes para produzirem para o Senhor, precisavam cultivar seus próprios roçados em volta da morada para seu próprio sustento. E o Senhor ainda levava para si cerca de 30% do produzido nesse roçado.

 

- Os maus tratos a mulheres estão presentes na narração: Tobias é um bom exemplo: bebia, batia na mulher, ficava dias sem aparecer e casa.

 

- A interdição do cemitério. Isso é impactante na vida das personagens. É uma quebra das identidades religiosas, familiares e territoriais.

 

- Um movimento tipo o MST surge para tentar recompor a dignidade dos trabalhadores da fazenda, mas o assassinato é o destino da liderança!

 

- São negros lutando pela terra, pela dignidade, pelas tradições e identidades.

 

Há mulheres fortes na trama: Bibiana, Belonísia, Maria Cabocla, e outras, que lutam para estudar, crescer, comprar uma terra para si, fazer uma casa de tijolo que desse pertença e permanência aos negros daquelas terras.

 

Na capa do livro já se vê que se pretende falar de negros. E de negros rurais! E ainda é no Brasil rural que é possível perceber que tivemos, mais nitidamente, uma abolição inconclusa.

 

O autor vai montando a narração, mostrando que aquelas pessoas vivem vida análoga à da escravidão, onde negros perambulam de terras em terras, por gerações seguidas, em busca de morada que trocam por sua força de trabalho. As condições de trabalho e de vida são bem parecidas com as da escravidão. Mas há trabalhadores fortes e destemidos que se opõem a este modo de vida e de trabalho. Aliás, quando que a história do negro não foi carregada de dor e de luta.

 

O autor utilizou capítulos curtos, facilitando a leitura, já que a história é pesada, pois analisa as raízes da estrutura social do país. A narrativa vai mostrando como que através da luta e da resistência as tradições orais, alimentares, religiosas e de trabalho puderam atravessar os tempos.

 

O livro é bem escrito. Utilizou a técnica de três narradores diferentes, o que alterna a visão do leitor sobre a vida naquelas terras.

 

A narrativa passa, ainda, pelas parteiras que trouxeram à luz todas as crianças que nasceram na fazenda; pelo conhecimento das raízes e folhas para vários tratamentos; passa também pelas secas e enchentes que alteram a quantidade e qualidade alimentar dos trabalhadores da fazenda. O negro está por sua conta e risco na fazenda! O Senhor da fazenda mora na capital, pouco vai à fazenda, não sabe e nem quer saber das dificuldades dos trabalhadores, dos novos escravos!


Sobre o encontro para analisar o Torto Arado

 

Ontem, 17 de abril de 2021, realizamos nosso primeiro encontro virtual do grupo Quilombo Literário. Agora, pensamos em expandir as participações para pessoas de todos o Brasil e, quiçá, fora do Brasil. 

Tivemos a participação online de 6 pessoas. Ao que parece, inicialmente, todos gostaram do evento virtual. 

Foi uma conversa agradável e produtiva, onde todos os participantes tiveram oportunidade de falar livremente sobre suas impressões sobre o livro.

Segue comentário de Paulo Garcia sobre nosso encontro:

"Ontem, no Quilombo Literário, tivemos um bate-papo sobre a obra Torto Arado, de Itamar Vieira Junior. Para além de toda a riqueza literária em si, da maneira como o autor articula palavras e traz à tona tanta sensibilidade, Torto Arado nos mostra feridas constitutivas do nosso país, feridas que continuam abertas, sangrando. Um passado que se faz presente. E nessa relação passado/presente, falamos sobre o racismo, o patriarcalismo, a fome, a miséria, mas também evidenciamos a resistência, os afetos, os conhecimentos tradicionais, a sabedoria e a força de quem continua de pé, abrindo caminhos. Torto Arado é, sem dúvida, um retrato do Brasil".

Assim que forem chegando outros comentários, iremos postando aqui.


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Print da tela [autoria Paulo Garcia] com os 6 participantes do encontro para discussão e análise do livro Torto Arado, de autoria de Itamar Vieira Júnior.